Artesania em divórcios e inventários
- Isadora Dourado
- 13 de ago. de 2024
- 3 min de leitura
Atualizado: 19 de ago. de 2024
Estou em obras. A quantidade de vezes que fui a lojas de construções, não sei dizer. No terceiro dia acompanhando prestadores de serviço, no último horário, na hora de instalar a luminária da mesa de jantar, o eletricista me diz: vou precisar de uma peça aqui, não tem nome nem especificação, você chega lá na loja e explica, eles vão encontrar algo.
Eu sabia que seria uma aventura. Você chega lá e explica? Eu? Eu fui descobrir esses dias a diferença entre prego e parafuso. Como encontrar uma peça sem nome, eu ainda não saberia. Mais uma oportunidade para ser passada para trás e levar produtos a mais.
E lá fui, direto à loja grandona, acreditando que conseguiria: não temos. A segunda loja: quando você souber do que precisa, me explicará melhor. A frase típica da baixa qualidade do atendimento de Brasília.
A terceira loja é pequenininha, daquelas que tem muita coisa pendurada no teto, uma fachada precisando de renovação. O senhor: “acho que vamos precisar de uma arte aqui, não é? Já tentou um arame nessa situação? Faz assim, assado, acredito que vai dar certo. Vou arranjar aqui um pedaço de arame para você”. Eu te juro que ele falou assim - uma arte - e eu, já desesperançada, vi o mundo se abrir e eu poder voltar a ter a luminária no teto.
“Quanto eu te devo, meu salvador das noites de jantar iluminadas?” Ele não sabe o quanto eu investi naquela luz que prometia um jantar aconchegante. “Nada”. E me dá um sorriso.
Era a segunda vez na vida que ia à loja pequenina. Na primeira eu também havia sido muito bem atendida, mas eu só procurava uma lâmpada, um produto com nome. Dessa vez, a chave do problema era maior, e sem nome.
O principal: ele resolveu meu problema. Com o que havia à mão. Da forma como eu precisava. Construindo artesanalmente a resposta.

Ele ganhou a cliente. Não lembrei dele de início, confesso. Mas de agora em diante, eu só quero ser atendida pelo senhor Abe, que ainda fez troça do meu sotaque, me tomando por mineira. Ele ouviu meu problema a sério. Ele deve saber como é estar em obras.
Estamos também em obras quando buscamos mudar algo nas nossas famílias. A preparação para um casamento, o dilema de partir para uma separação, o luto de um falecimento, inquietações para evitar o mesmo problema que o tio teve no inventário. São obras contínuas, já diria meu cabeleireiro.
Nem sempre a resposta vai estar na lei. Mesmo que a lei tenha nomes prontos, as pessoas podem não conhecê-los. Nenhum acordo de divórcio é pré fabricado. Nenhuma família tem a mesma configuração que a outra, nem de acordos de vida nem de acordos de dinheiro. As brigas no inventário não são só sobre dinheiro - muito não dito, muito sofrido está ali e busca reparação. Mesmo que a lei tenha nomes prontos, eles podem não funcionar para o que se quer - como não funcionava a luminária naquele buraco do teto sem a peça que não tinha nome. Nessa altura, eu já sabia que o prego é diferente do parafuso, por mais que ambos estejam ali para tentar fixar as coisas.
Saber como é estar em obras muda a forma de lidar com o problema quando ele não tem nome. Quem me procura buscando deixar os bens organizados para que os filhos não briguem como os irmãos brigaram entre si quando o pai morreu, está numa obra interna. Eu sei que a doação, o testamento, o usufruto, a holding e várias outras ferramentas da loja podem servir. Mas eu preciso entender o buraco da parede e a luminária que não encaixa: o que há por trás daquele pedido?

Quem me procura na indecisão de sair de um casamento está investigando as bases da construção. Investir nela ou não pode depender das consequências. Um acordo de divórcio, um litígio ou sessões de terapia - ou tudo isso? Eu entendo das peças, mas só juntas conseguiremos entender se a solução vai fazer sentido para a luz enfim se acender.
A solução, nas famílias, não é pasteurizada, não é produto, por mais que a tentem vender assim. Buscar em conjunto a resposta é olhar para a obra sabendo o que é estar em obra. É buscar resolver o problema sabendo que o direito nem sempre tem todos os nomes, ou os nomes que tem, podem não dar a luz desejada. O resultado não é o mesmo, porque leva em conta o que cada um precisa. É uma artesania de várias mãos acomodar as necessidades, os sentimentos, as dores.
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